sexta-feira, 3 de setembro de 2021

Atividade Ensino Médio. Fragmento. Graciliano Ramos - Vidas Secas

 Vidas Secas 



Pisou com firmeza no chão gretado, puxou a faca de ponta, esgaravatou as unhas sujas. Tirou do aió um pedaço de fumo, picou-o, fez um cigarro com palha de milho, acendeu-o ao binga, pôs-se a fumar regalado.

- Fabiano, você é um homem, exclamou em voz alta.  

Conteve-se, notou que os meninos estavam perto, com certeza iam admirar-se ouvindo-o falar só. E, pensando bem, ele não era um homem: era apenas um cabra ocupado em guardar coisas dos outros. Vermelho, queimado, tinha os olhos azuis, a barba e os cabelos ruivos; mas como vivia em terra alheia, cuidava dos animais alheios, descobria-se, encolhia-se na presença dos brancos e julgava-se cabra. 

Olhou em torno, com receio de que, fora os meninos, alguém tivesse percebido a frase imprudente. Corrigiu-a, murmurando:

- Você é um bicho, Fabiano. 

Isto para ele era motivo de orgulho. Sim senhor, um bicho, capaz de vencer dificuldades. 

Chegara naquela situação medonha – e ali estava, forte, até gordo, fumando o seu cigarro de palha.

 - Um bicho, Fabiano. 

Era. Apossara-se da casa porque não tinha onde cair morto, passar uns dias mastigando raiz de imbu e sementes de mucunã. Viera a trovoada. E, com ela, o fazendeiro, que o expulsara. Fabiano fizera-se desentendido e oferecera os seus préstimos, resmungando, coçando os cotovelos, sorrindo aflito. O jeito que tinha era ficar. E o patrão aceitara-o, entregara-lhe as marcas de ferro. 

Agora Fabiano era vaqueiro, e ninguém o tiraria dali. Aparecera como bicho, entocara-se como bicho, mas criara raízes, estava plantado. Olhou as quipás, os mandacarus e os xique-xiques. Era mais forte que tudo isso, era como as catingueiras e as baraúnas. Ele, sinhá Vitória, os dois filhos e a cachorra Baleia estavam agarrados à terra. 

Chape-chape. As alpercatas batiam no chão rachado. O corpo do vaqueiro derreava-se, as pernas faziam dois arcos, os braços moviam-se desengonçados. Parecia um macaco. 

Entristeceu. Considerar-se plantado em terra alheia! Engano. A sina dele era correr mundo, andar para cima e para baixo, à toa, como judeu errante. Um vagabundo empurrado pela seca. Achava-se ali de passagem, era hóspede. Sim senhor, hóspede que demorava demais, tomava amizade à casa, ao curral, ao chiqueiro das cabras, ao juazeiro que os tinha abrigado uma noite. 

Deu estalo com os dedos. A cachorra Baleia, aos saltos, veio lamber-lhes as mãos grossas e cabeludas. Fabiano recebeu a carícia, enterneceu-se: 

- Você é um bicho, Baleia. 

Vivia longe dos homens, só se dava bem com os animais. Os seus pés duros quebravam espinhos e não sentiam a quentura da terra. Montado, confundia-se com o cavalo, grudava-se a ele. E falava uma linguagem cantada, monossilábica e gutural, que o companheiro entendia. A pé, não se agüentava bem. Pendia para um lado, para o outro lado, cambaio, torto e feio. Às vezes utilizava nas relações com as pessoas a mesma língua com que se dirigia aos brutos – exclamações, onomatopéias. Na verdade falava pouco. Admirava as palavras compridas e difíceis da gente da cidade, tentava reproduzir algumas, em vão, mas sabia que elas eram inúteis e talvez perigosas.

 (Graciliano Ramos)


1.  Através de elementos descritivos, o narrador estabelece a seguinte oposição:

a) Fabiano – unhas sujas. 

b) homem – cabra. 

c) homem – meninos. 

d) bicho – cabra. 

e) Fabiano – vaqueiro. 

 

2. Fabiano identifica-se com “um bicho, capaz de vencer dificuldades”. A expressão grifada tem o seu sentido contextual demonstrado na opção: 

a) Viver em condições miseráveis. 

b) Ser vitorioso diante de qualquer adversidade. 

c) Sobreviver à seca, resistir às adversidades. 

d) Enaltecer a fragilidade humana. 

e) Vencer seus conflitos psicológicos. 


3. O narrador insiste na comparação: Fabiano x bicho; com a finalidade de... 

a) demonstrar a condição humana da personagem, a pobreza e miséria. 

b) comparar o mundo racional com o irracional. 

c) realizar debates e discussões a respeito da relação do homem com o meio-ambiente. 

d) reforçar a tendência em defesa dos animais. 

e) Existem duas opções corretas. 


4. O primeiro parágrafo do texto transcrito traz uma sequência de:

a) Fatos isolados que serão entendidos pelo leitor no decorrer do texto. 

b) Palavras subjetivas que denotam a gravidade do quadro descrito. 

c) Ações encadeadas formando um quadro descritivo. 

d) Ações desencadeadas formando um quadro explicativo. 

e) Oposições e reações. 


5. Para Fabiano, ser bicho era motivo de orgulho. NÃO é causa desse orgulho, referente ao contexto: 

a) Vencer obstáculos. 

b) Resistir às dificuldades do meio ambiente.

c) Sobreviver mesmo em situações adversas.  

d) Viver em condições mínimas. 

e) Ter pés duros que quebram espinhos. 


6. O uso da vírgula na oração seguinte tem uma função específica: “- Fabiano, você é um homem, exclamou em voz alta.” A mesma função NÃO aparece em: 

a) “- Você é um bicho, Fabiano.” 

b) “e ali estava, forte, até gordo,...” 

c) “- Um bicho, Fabiano.” 

d) “- Você é um bicho, Baleia.” 

e) “Não fique triste, Fabiano.” 


7. “Conteve-se, notou que os meninos estavam perto, com certeza iam admirar-se ouvindo-o falar só.” Para haver um correto entendimento do período anterior, faz-se necessária a relação adequada dos pronomes utilizados. 

Assinale a alternativa correta: 

a) Quem se conteve foram os meninos. 

b) A admiração veio de Fabiano. 

c) Os meninos ouviriam Fabiano. 

d) Fabiano ouviria os meninos. 

e) Os meninos admiravam-se. 


8. Correlacione a 1ª coluna com a 2ª considerando as circunstâncias expressas pelas palavras em destaque: 

1.“Agora Fabiano era vaqueiro, e ninguém o tiraria dali.” 

2.“Sim senhor, hóspede que demorava demais,...” 

3.“Vivia longe dos homens, só se dava bem com animais.” 

4.“A pé, não se aguentava bem.” 

(  ) tempo 

(  ) intensidade 

(  ) lugar 

(  ) modo 

A sequência correta é: 

a) 2, 3, 4, 1 

b) 4, 3, 2, 1 

c) 1, 3, 2, 4 

d) 1, 2, 3, 4 

e) 3, 2, 1, 4 


9. A linguagem permite que a mensagem seja construída de maneiras diversas e que detenham o mesmo sentido. A oração: “E o patrão aceitara-o,...” NÃO tem o seu significado comprometido em: 

a) Ele seria aceito pelo patrão. 

b) O patrão seria aceito. 

c) O patrão aceitara-se. 

d) Ele aceitara o patrão. 

e) Ele fora aceito pelo patrão. 


10. É importante conhecermos os radicais, porque eles nos auxiliam a descobrir o sentido de inúmeras palavras. O par de vocábulo e o significado do radical grego está correto em: 

a) Monossilábica – primeiro. 

b) Heterogâmico – outro, diferente. 

c) Ornitologia – nariz.

d) Panaceia – doença. 

e) Filosofia – estudo.


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