segunda-feira, 2 de agosto de 2021

Atividade Ensino Médio. Boi no Asfalto - Luiz Guerra

  Boi no Asfalto 



Por volta de 1968, impressionado com a quantidade de bois que Guimarães Rosa conduzia do pasto ao sonho, julguei que o bom mineiro não ficaria chateado comigo se usasse um deles num poema cabuloso que estava precisando de um boi, só um boi.

Mas por que diabos um poema panfletário de um cara de vinte anos de idade, que morava num bairro inteiramente urbanizado, iria precisar de um boi? Não podia então ter pensado naqueles bois que puxavam as grandes carroças de lixo que chegara a ver em sua infância? O fato é que na época eu estava lendo toda a obra publicada de Guimarães Rosa, e isso influiu direto na minha escolha. Tudo bem, mas onde o boi ia entrar no poema? Digo mal; um bom poeta é de fato capaz de colocar o que bem entenda dentro dos seus versos. Mas você disse que era um poema panfletário; o que é que um boi pode fazer num poema panfletário?

Vamos, confesse. Confesso. Eu queria um boi perdido no asfalto; sei que era exatamente isso o que eu queria; queria que a minha namorada visse que eu seria capaz de pegar um boi de Guimarães Rosa e desfilar sua solidão bovina num mundo completamente estranho para ele, sangrando a língua sem encontrar senão o chão duro e escaldante, perplexo diante dos homens de cabeça baixa, desviando-se dos bêbados e dos carros, sem saber muito bem onde ele entrava nessa história toda de opressores e oprimidos; no fundo, dentro do meu egoísmo libertador, eu queria um boi poema concreto no asfalto, para que minha impotência diante dos donos do poder se configurasse no berro imenso desse boi de literatura, e o meu coração, ou minha índole, ficasse para sempre marcado por esse poderoso símbolo de resistência.

 Fez muito sucesso, entre os colegas, o meu boi no asfalto; sei até onde está o velho caderno com o velho poema. Mas não vou pegá-lo − o poema já foi reescrito várias vezes em outros poemas; e o meu boi no asfalto ainda me enche de luz, transformado em minha própria estrela. 

(Luiz Guerra)



 1. De acordo com o texto, o autor

 a) procurou, com a metáfora do boi, um animal rural, mostrar sua inadequação à   modernidade, impotente para satisfazê-lo em seus anseios mais profundos. 

 b) usou, ainda que sem a autorização de Guimarães Rosa, um de seus personagens como   protagonista de um poema de caráter comercial. 

 c) compôs um poema para sua namorada, mostrando toda sua angústia e descontentamento   em relação  às injustiças praticadas contra os animais. 

 d) queria, por mais inusitado que fosse para a temática política, incluir um boi em seu   poema, que refletisse seu posicionamento alheio a toda ordem preestabelecida.

 e) escrevia textos de cunho político, ainda que o tom panfletário vez e outra interferisse em   seus objetivos iniciais, que eram agradar a seus amigos militantes.


2. Com respeito ao gênero, é correto afirmar que o texto acima é 

 a) um poema em prosa, visto que se pauta pelo uso recorrente de metáforas e de linguagem   melodiosa.

 b) uma crônica, por trazer reflexão sobre um momento histórico com uso de linguagem   coloquial.

 c) um conto, por trazer um enredo sucinto, cuja ação, com início, meio e fim, ocorre em   uma realidade   fabulística. 

 d) uma crônica, por dar voz a animais, inseridos em uma ambientação puramente ficcional. 

 e) um conto, por inserir, no relato imaginário de um boi, elementos da vida particular do   autor. 


3. Mantendo-se o sentido em ... sangrando a língua sem encontrar senão o chão duro e escaldante... (3o parágrafo), o segmento sublinhado pode ser corretamente substituído por 

 a) a encontrar apenas

 b) não encontrando somente 

 c) mesmo de encontro com 

 d) a encontrar todavia 

 e) sem que se encontrasse


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