Navegação de cabotagem
Pintei e bordei com meus amigos, eles pintaram e
bordaram comigo, preguei peças, inventei partidas,
enrolei, fui enrolado, burlas e intrujices, dei e recebi
o troco, zombei, zombaram, o que Carybé não
aprontou às minhas custas?
Aprontou tantas e tais e eu caí como um patinho,
fosse contá-las escreveria um livro, reduzo-me a duas
delas às quais reagi, levando a melhor: as outras ele
que as conte para rir de novo, o trapaceiro. No
momento rio eu, se me dão licença.
Apenas nos instaláramos na Bahia, despedi um
jardineiro, por incompetente. Ao saber, Carybé, de
conluio com Tibúrcio Barreiros, procurador do
Tribunal do Trabalho, armou uma daquelas, me
deixou de início nas vascas da agonia. Utilizando
papel timbrado do tribunal, os dois patifes forjaram
uma convocação em boa e devida forma para dar-lhe autenticidade falsificaram a firma de um juiz,
marcando-me audiência para o dia seguinte, às duas
da tarde. Eu deveria explicar por que não pagara o
devido ao trabalhador vítima de demissão sem justa
causa, o dito cujo apresentara queixa, motivo para
processo e julgamento. Vi-me arrastado na rua da
amargura, acusado de burguês explorador do
proletariado, sujeito a multa elevada e ao escárnio
público.
Fulo da vida, havia pago mais do que o devido,
procurei Walter da Silveira, advogado de sindicatos
operários junto às Varas de Trabalho, contei-lhe do
jardineiro, indenização e gratificação, mostrei-lhe a
convocatória, Walter estranhou: tudo ilegal. Brigão
por natureza, ao ver assinatura do juiz entrou em
transe: esse indivíduo é um mau caráter, meu
inimigo, aproveito a irregularidade, vou acabar com
ele, fique descansado, deixe comigo. Marcamos
encontro no Tribunal na hora aprazada.
Ao chegar em casa Zélia revelou-me a tramoia e os
autores. Estreante em tais enredos, Tibúrcio
telefonara às gargalhadas, despejara o saco. Em troca
Zélia lhe informou que eu saíra para encarregar
Walter da Silveira de minha defesa, Tibúrcio tremeu
nos alicerces, Walter era osso duro de roer. Diga a
Jorge que largue de mão, tudo não passou de
brincadeira, Walter é maluco, volto a telefonar.
Voltaram a telefonar, ele e Carybé. Pedi a Zélia
para atender às chamadas e dizer aos dois comparsas
que, para me vingar, decidira topar a provocação, iria
ao Tribunal assistir Walter atirar com a convocatória
na cara do juiz. Foi um deus nos acuda, Tibúrcio em
pânico, o posto de procurador ameaçado, Carybé
sentindo-se responsável pela demissão do amigo; eu
os cozinhei o dia inteiro, só à noitinha concordei em
abandonar a causa, desobrigar o advogado.
A dificuldade foi obter que Walter desistisse da
pendência, queria a todo transe desmascarar o juiz,
desmoralizá-lo. Tive de apelar para os ritos da
amizade: vais prejudicar a carreira de Tibúrcio, só
então se acalmou e achou graça.
(Jorge Amado)
1. O objetivo do livro de Jorge Amado revelado pelo
enunciador, nos dois primeiros parágrafos do texto, é:
a) contar algumas gozações e peças a que ele
submeteu os amigos Tibúrcio, Caribé e sua esposa
Zélia.
b) contar uma peripécia em que Zélia, sua esposa, foi
a principal articuladora.
c) contar as peripécias em que os amigos Tibúrcio,
Carybé e o advogado Walter participaram ativamente.
d) contar algumas gozações e peças a que os amigos
o submeteram, dando destaque a um amigo em particular: Carybé.
e) contar algumas gozações e peças a que os amigos
o submeteram, dando destaque a um amigo em particular: Tibúrcio.
2. Releia estes trechos do texto:
A. – “[...] esse indivíduo é um mau caráter [...]”
B. – “[Walter era osso duro de roer[...]”, “Walter
é maluco[...]”
Agora, leia as afirmativas feitas acerca desses dois
enunciados.
I. Esses comentários trazem afirmativas subjetivas,
revelando julgamento por parte de seus enunciadores.
II. Esses comentários trazem afirmativas objetivas,
não indicando nenhum juízo de valor por parte dos seus enunciadores.
III. Esses comentários permitem inferir que o
advogado iria dar encaminhamento sério ao que
fora feito como brincadeira.
IV. Os comentários colaboram para a ideia de que o
procedimento do advogado Walter poderia encrencar o procurador.
Após análise das afirmativas feitas sobre os
enunciados, é possível apontar como corretas
apenas:
a) I e IV.
b) I, II e IV.
c) I, III e IV.
d) I e III.
e) II, III e IV.
3. Releia o trecho do primeiro parágrafo do texto:
“Pintei e bordei com meus amigos, eles pintaram
e bordaram comigo, preguei peças, inventei
partidas, enrolei, fui enrolado, [...] dei e recebi o
troco, zombei, zombaram...”
Vê-se, nesse fragmento, o uso excessivo de uma
pontuação. Essa pontuação tem como finalidade intercalar várias orações:
a) coordenadas adversativas.
b) coordenadas aditivas.
c) coordenadas explicativas.
d) coordenadas alternativas
e) subordinadas substantivas
4. Dentre os trechos abaixo, apenas um apresenta
período simples. Assinale-o.
a) No momento rio eu, se me dão licença
b) Ao chegar em casa Zélia revelou-me a tramoia e os
autores.
c) Estreante em tais enredos, Tibúrcio telefonara às
gargalhadas, despejara o saco.
d) Foi um deus nos acuda, Tibúrcio em pânico, o
posto de procurador ameaçado,...
e) A dificuldade foi obter que Walter desistisse da
pendência,[...]
5. No trecho “...preguei peças, inventei partidas,
enrolei, fui enrolado, burlas e intrujices, dei e
recebi o troco...”, os termos destacados podem
ser substituídos, respectivamente, sem prejuízo
de sentido, por:
a) brincadeiras e traquinagens.
b) brincadeiras e intromissões.
c) enganações e trapaças.
d) bagunças e traquinagens.
e) enganações e intromissões.
6. Analisando o contexto de uso, é possível observar
que apenas um dos itens abaixo não indica
corretamente a classe de palavras a que o termo
destacado pertence. Assinale-o.
a) “Aprontou tantas e tais”. (2º parágrafo) –
Pronome indefinido.
b) “No momento, rio eu..." (2º parágrafo) – Verbo.
c) “...sujeito a escárnio público...” (3º parágrafo) –
Adjetivo
d) “...por que não pagara o devido ao trabalhador...
(3º parágrafo) – Substantivo.
e) “...advogado de sindicatos operários...” (4º
parágrafo) – Substantivo.
7. No fragmento “Pedi a Zélia para atender às
chamadas e dizer aos dois comparsas que, para
me vingar, decidira topar a provocação”,
a) somente os verbos atender e dizer são regidos por
preposição.
b) o verbo “atender” é regido por preposição e o
substantivo “chamadas” pede o artigo “as”, o que
justifica o uso da crase no período.
c) o verbo “pedir” é regido por preposição, portanto,
deveria ter sido usado o acento grave no “a” que
precede o substantivo “Zélia”.
d) O “a” empregado após o verbo “topar” é uma
preposição exigida por esse mesmo verbo.
e) O uso do acento grave em “atender às chamadas”
é desnecessário, uma vez que o verbo “atender”
não exige o uso de preposição.